Rubem Fonseca – José


Antes de qualquer coisa, deixa eu dizer que sou um grande fã da obra de Rubem Fonseca como um todo.

O que não quer dizer que eu não sei reconhecer um livro ruim de um autor que eu gosto muito. Pelo contrário, a discrepância salta aos olhos. E é sobre isso que vamos falar hoje. Vencendo na Vida com Yuri: Quando um autor te desaponta – uma palestra motivacional por Yuri Raposão.

Vá, não é como se o Rubem Fonseca tivesse a obrigação de nos entreter e atender às nossas expectativas. Também não é assim. Mas acho que o mínimo que o gajo poderia fazer é manter um padrão ISO 9000 com sua própria obra. Ninguém se preocupa em manter um padrão de qualidade mais? Onde está a Kylie Minogue hoje em dia? Onde está o Gabo? Onde está Kevin Smith? Onde está Tim Schafer? Onde está a United Colors of Beneton? A Reebok? O futebol brasileiro? O cinema iraniano? O circo do Marcos Frota? Gente, a lei de mercado é simples: se a qualidade cai, é cartão vermelho e chuveiro mais cedo. Vira passado, kaputt, finito, ostracismo, obliteração, mansão Foster, SBT, CNT, geladeira do Projac, balaio de livros por 9,90! Tô falando grego?

E foi isso. Quando Rubem Fonseca saiu da Companhia das Letras por conta daquele rolo da escritora na caixa de vidro, a gente levantou uma sobrancelha. Quando ele lançou O Seminarista, a gente levantou a outra. Aliás, alguém me explica essa parada de lançar livro com título de clássicos, tipo esse ou o Aleph do Paulo Coelho? Qualé, posso colocar o nome do disco da minha banda de Dark Side of The Moon agora? Agora vale tudo, é oba-oba, casa da mãe Joana isso? Reverência sobre as coisas sagradas, irmãos, uma valiosa lição ensinada pelos cavaleiros Templários para esse mundo. Resumindo: arrume outro título!

Onde parei? Ah sim, nas duas sobrancelhas levantadas. Aí, quando a gente já tava meio bolado com esse papo todo, surge o quê? José, essa novela autobiográfica que, arrisco dizer, talvez seja o livro de memórias mais chato que eu li desde Minha Luta Pela Rússia, do Boris Yeltsin (não me julguem e não julguem a minha estante!). Papo sério, molecadinha, o que esse grande escritor fez nesse livro o vírus do parasita do cocô do cavalo do bandido desenhado na areia dura por um bebê etíope com bosta de vaca anêmica também seria capaz de fazer. E vamos dizer o porquê.

José, que é o primeiro nome de Rubem Fonseca para quem não lê a Wikipedia todo dia, narra os primeiros anos do autor. Da infância aos vinte poucos anos. E bem, o que há de interessante nas primeiras três décadas de qualquer vida, exceto a do Michael Jackson e da Anne Frank? Pouquíssima coisa, caro, pouquíssima coisa. E é esse pouquíssimo que ele explora.

Com um estilo de escrita sofrível, digno de um autor que manda imprimir 3 mil cópias na gráfica de seu próprio livro de contos que fala dos encontros e desencontros do cenário urbano em situações rotineiras,Rubão fala da sua formação de leitor, de seus anos de moleque no Rio de Janeiro da época pré-garota de Ipanema, enfim, uma porção de assuntos que não empolgam ninguém a não ser quem também viveu a época ou, sei lá, está preparando um E! True Hollywood Story para ele. Sério gente, mais critério na hora de escrever um livro de memórias. “Ah, eu tive um cachorro uma vez…” Não! Chega de história cachorro! “Ah, eu mudei muito de cidade…”, “Eu fui o primeiro atleta a…”, “Eu fui menudo e assumi minha pegada homoafetiva…”, “Eu tive um blog de crítica literária…” Não, não, não e não! Critérios! Critérios, por favor! Escreva só se a história for boa, e não tente florear porque a gente vai saber. No máximo, se você acredita que rende, negocia o projeto com o Ruy Castro. Ele sabe contar.

Falando em Ruy Castro, parte do livro (a maior parte, eu diria) é permeada de ensaios históricos sobre o Rio de Janeiro e outras histórias do Brasil. A maioria delas já foi contada pelo Ruy Castro no Carnaval no Fogo, um livrinho que é um livrasso e quem não leu pode começar lendo a resenha que fiz dele há mais de um ano atrás. Que boa maneira de enrolar umas páginas, hein? A história propriamente dita só começa quando o livro já tá acabando. É como assistir Matrix: uma hora e meia de explicação e 30 minutos de porradaria. Com a diferença que toca Rage Against The Machine no final do Matrix, então você sai feliz. No caso do livro, foi um mal negócio.

Agora, andei lendo por aí, graças a um link que nosso camarada e leitor Raphael Pousa me enviou, que classificava o livro como uma “autobiografia não-autorizada”, que seria um gênero novo e que isso valeria o livro. Não-autorizada é algum órgão do meu corpo de óculos. É autorizada até demais. Céus, que bicho travado para falar de si próprio. Omite várias coisas dizendo que “não quer falar sobre isso no momento” ou “melhor não citar o nome verdadeiro do fulaninho”. E o que é pior: narra em terceira pessoa. “José prefere não falar disso agora”. Quem é esse José que não prefere falar isso? É algum amigo do espírito Lucius? Esse lance de falar de si na terceira pessoa só funciona com o Tezza e com o Pelé, amigo. Nesse livro o malabarismo de personas parece psicografia das brabas, feita com muita vela preta e Pirassununga 51. Vergonhoso, moço.

E a escrita! “O único luxo da família era devido à saúde da sua mãe. Ela tinha que comer frutas, peras e maçãs, e estas eram importadas, já que não havia nacionais e se havia eram intragáveis. Como a sua mãe não podia comer as cascas, estas eram dadas aos filhos, um verdadeiro regalo, que era brindado com equanimidade para os três filhos” Vamos lá, jogo dos sete erros estilísticos nessa frase. Começo dando duas dicas: regência e repetição de palavras. Mais duas? Redundância ambígua e zeugma mais mal construído do que o Palace II. Até a cobrinha verde do Word aponta erro aqui, não tô mentindo!

 Serião, se você achasse esse livro sem capa, a quem você atribuiria uma frase assim? A Rubem Fonseca, gigante da literatura brasileira, autor de livros foderosos como Agosto e Buffo//Spalanzani, ou a Zé-das-Couves, o simpático vendedor de hortifruti que vende chuchu pra sua avó e que quer ser o novo Gabriel Chalita em um projeto literário diletante e desesperançoso? Pensa aí.

E esse projeto da Nova Fronteira vai ser analisado outra hora. Primeiro quero saber: por que diabos a coleção do Rubão passou da Agir para a Nova Fronteira? E segundo: quem foi o estagiário que deixou esse livro passar? Na minha época, editor dava uns toques, corrigia algumas coisas, sugeria umas alterações, tudo para o escritor não se queimar e para a editora não levar o descrédito de publicar um livro ruim. Mas acho que como para o Rubem Fonseca, para mim também passou a época de ouro, onde tudo era mais bonito e digno.

Rubem Fonseca, se o senhor ler isso algum dia, espero que me perdoe por alguma ofensa ou exagero que possa ter cometido. Mas também espero que entenda que esse livro, em sua qualidade, é um tapa na cara de todos os seus fãs. Grato. (Ando esperto com isso desde que o valter hugo mãe leu minha resenha).

Comentário Final: Sem comentários hoje. Comentem vocês.

13 Respostas para “Rubem Fonseca – José

  1. Primeiro: (desculpem o palavrão) pqp! o mãe leu sua resenha? q louco, que ele disse? rs
    Segundo: Rubão é um dos responsáveis pela minha paixão pela literatura. Eu parei no Seminarista (eu ia escrever Alquimista haha) não rolou mais. Acho que o Schwarcz não liberaria esses dois livros. Momento Silvio Santos: Não li e tenho certeza que é ruim! rs Mas depois dessa sua resenha, nem mesmo se eu ganhar o livro. Mas Rubão é gênio, e como todos dessa estirpe faz algumas cagadas. É isso, vamos ficar com o José antigo!

    Abraços camarada!

    • Vou contar a história no próximo post, Pousa. Mas concordo, acho que a editora do Schwarcz tem tanto zelo com os livros que não ia deixar sair qualquer merda. É o que garante o nome deles, afinal: a certeza da qualidade do produto.
      Abraço!

  2. Yuri, como você CONSEGUE? Cada post teu é um festival de risos e/ou sorrisos aqui em casa! Adoro o jeito que vc escreve. Dá até vontade de tentar imitar no meu blog, mas eu jamais conseguiria hehehe Sou ranzinza demais.

    Agora, quanto ao que vc escreveu: concordo com tudo em relação a esse livro do Rubão, cara, mas tenho algumas observações e comentários. Primeiro: mandaram o cara da Agir pra Nova Fronteira porque a NF tá mal das pernas. Mandar um autor que vende bem pra lá da uma nova visão à editora, além de movimentar o caixa da empresa, entende? Foi por isso, assim simples.

    Agora sobre o livro: de fato, não é um livro bom. O lance é que, querendo ou não, um cara que nunca foi muito amigo da mídia, avesso a entrevistas e fotos, querer contar qualquer coisa da sua vida, nem que seja só até os 29 anos, pra muita gente, quando ele bater a caçuleta, vai servir como material de estudo, entendeu? Fora que não deixa bacana o fato de que, estando ele mais pra lá do que pra cá, resolveu escrever algo sobre si. Por mim, tá valendo só por isso.

    E algumas pessoas que estão detonando com esse livro e com o novo de contos (vai ler esse? vai ter resenha aqui?) não entenderam um pequeno detalhe: Rubem Fonseca, aos 86 anos, não tem mais que provar nada pra ninguém, cara. Eu li o novo de contos, e me diverti pra caralho com a maioria dos contos, e sabe por quê? Porque a proposta é só essa: eu te dou um livro de contos novo a cada ano e meio, e você se diverte. Só isso. O cara não tem mais que dar tapa na sociedade nem criticar ditaduras. Ele simplesmente quer se divertir, e divertir seus leitores. E isso ele faz, ah, como faz! Ao menos no de CONTOS, quero deixar bem claro.

    Bom, por enquanto é isso. Abraço, cara. Parabéns pelo blog.

    • Oi Marco! Lisonjeio-me com teus elogios, a ideia é dar umas risadas mesmo!
      Valeu pela informação, não sabia que a Nova Fronteira tava mal das pernas, mas desconfiava. Depois que João Ubaldo foi pra Objetiva, passaram as comemorações de Guimarães Rosa, etc e tal, sobrou muito poucas estrelas no catálogo. Ziraldo ainda vai, mas uma andorinha só não faz verão… E a agir, por outro lado, tá bem, com nelson rodrigues e, até pouco tempo, stanislaw.
      Agora, vai me dar três tipos de medo esse livro horroroso virar objeto de estudo da vida do Rubão depois que ele morrer. Deve ser um trabalho tipo o banco de sêmen do CSI, investigar as coisas pelo lado mais escroto possível.
      Quanto ao livro de contos (que não vai ter resenha, não quero nem ver esse), sei muito bem que o autor não precisa mais provar nada pra ninguém. Ainda assim, a crítica precisa falar que é ruim porque é algo fora do normal. E, você sabe, o extraordinário é notícia! Ele mesmo vai continuar se importando tanto quanto sempre se importou com os comentários a respeito da obra dele. Agora só nos resta rezar para vir um melhor. E convenhamos que ele sabia divertir melhor antigamente, vai.
      Abraço!

  3. é ‘livraço’. e é ‘mau negócio’. só porque você apontou problemas estilísticos no autor, então não fica bem errar ortografia. no mais, bom texto, muito divertido. e o livro é ruim mesmo. abraço.

    • Obrigado pelas correções, prof. Pasquale. Também sou desse tipo que começo a me coçar quando vejo erro de português — muito embora, como você pode ver, não tenho cacife para tanto. Um abraço!

  4. Suas resenhas são muito boas. Valem sobretudo pelo estilo, isto é, mesmo se a opinião em si não tivesse fundamento, os textos ainda seriam bons/ divertidos/ originais. Queria conseguir escrever uma resenha a cada 15 dias também, mas meu ritmo de leitura não permite.

    Você poderia detalhar essa história de o valter hugo mãe ter lido sua resenha? Não é justo fazer um comentário para atiçar a curiosidade dos pobres leitores e não falar mais nada!

    • Oi Ajudante, obrigado por entender meu blog. Sim, ele não é muito embasado, mas tento fazer o texto de entretenimento para escoar minha vontade de falar sobre livros.
      Vou contar a história do VHM no meu próximo post (do dia 21/08). Um abraço!

      • Mas eu não disse que não é embasado! Eu disse que, caso não fosse embasado, ainda seria legal.

        Poxa vida!

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