Ismail Kadaré – O Acidente (Aksidenti)


O AcidenteFala aí, meu povo, tudo certo? Viram só, o último livro teve comentário ilustre do próprio autor. Um abraço pro Xico Sá aê! E não, eu não fui lá mostrar o meu blog imbecil pra ele, não sei como o cara achou. Mas enfim, achei legal e vamos tentar fazer mais autores visitarem a espelunca. O livro de hoje é do Ismail Kadaré, e ele tá vivo. E pô, se o cabra fala albanês, português pra ele deve ser pito! Quem tem a moral de ir lá esfregar essa resenha naquela cara de Augustinho-da-Grande-Família-depois-do-desterro dele? Quem tem? Tô desafiando!

Antes de começar a falar do livro, uma pergunta para vocês: estou pensando em colocar aqui no espaço outros textos relacionados a hábitos de leitura e aspectos físicos do livro, o que acham? Digam lá nos comentários.

Pois muito bem. O Acidente é o último livro do albanês Ismail Kadaré. Sim, ele, o amargurado, o tio sério que não gosta de piada, o sujeito massacrado pela cultura do país, o cara que queima muitos ATPs para dar uma risada, o paladino blasé. Nesse livro, a história não podia ser mais down: um acidente de carro que mata um casal, logo na primeira página, intriga investigadores e detetives com muito tempo livre que resolvem reconstituir o passado dos dois porque se descobre que o rapazinho tem ligação com o governo. Pelo menos foi isso que eu entendi, rá rá rá.

E aí o levantamento do passado dessa relação dos dois revela uma paixão doentia, com mulheres virando prostitutas, lésbicas, casaca, olhinhos por boçais, etc. A história dessa tensão sexual entre o cabra, Bessfort Y. e a mulher, Rovena St., é tensão de verdade, não é aquela coisa afrescalhada do Vermelho e o Negro. E, claro, é triste pra caramba, a bichinha tá num mato sem cachorro e parece que nem percebe. E o bonitão lá, na rédea curta com a moça, fazendo ela de gato e sapato feito aqueles safados que seqüestram garotinhas na Austrália por não sei quantos anos. Nada bom para a bunda da Rita Cadillac, ou, como ela chama, o moral.

Penso que, como tudo na escrita de Ismail Kadaré é política, essa relação entre Bessfort Y. e Rovena St. pode representar a tensão entre sérvios e albaneses, já que cada um do casal é ligado a um dos países. Mas, já fazendo a minha mea culpa, não vou entrar nesse mérito por saber quase nada do assunto. A gente aqui fala besteira, mas fala com propriedade, valeu?

Ismail KadaréAgora, vejam só vocês como são engraçadas as coisas: o release do livro, e a orelha, usa o termo “acontecimento banal” para descrever o acidente de carro que mata o casal protagonista, querendo dizer que o caso não mereceria normalmente a atenção que ganhou por parte dos investigadores do governo. E isso acontece porque o autor inicia o livro com o mesmo termo, para assegurar o leitor de que o tal “acidente” do título não é esse do carro. Mas faça aí uma busca rápida no Google e veja quantas críticas e resenhas a esse livro também se referem ao acidente como “acontecimento banal”. Desde quando acidente de carro que joga as pessoas contra o pára-brisa, os corpos saem voando e se arrebentam no barranco é “acontecimento banal”? Pô, será que esse povo não viu À Prova de Morte, do Tarantino? Será que todo mundo agora é crash test dummy pra achar acidente de trânsito corriqueiro? Coé, críticos do meu Brasil, vamos parar de repetir o que vocês leem no release igual coro de música do Afrika Bambaataa e vamos admitir que esse acidente foi coisa feia sim!

Eu não sei se eu tava com muito sono quando li esse livro, mas o fato é que achei a leitura dele bem lenta e arrastada, dada a complicações pela troca constante de estilo que o autor usa na narrativa. Uma parada meio saramaguiana que rola por umas páginas faz o peão rodar bonito e ficar mais perdido do que filho da p*** em dia dos pais. Nem por isso o livro é ruim, só demora a pegar no tranco (ou quem demora sou eu, não sei). Da metade em diante ele fica excepcionalmente bom, e o final é uma porrada na sua cara. Aposto que por um desfecho como esse vocês não esperavam. Pensem só como alguém pode inventar e surpreender numa história onde você sabe que os protagonistas já estão mortos?

Esse projeto da Companhia das Letras ficou bem bonito, mas me dá uma tristeza no coração quando os caras fazem uma coleção bem bonitinha do autor e aí resolvem mudar o padrão. Gostei das cores, principalmente: cinza e azul petróleo (azul petróleo é como eu chamo qualquer azul que eu não sei que azul é). A tradução ficou por conta, como sempre, do grande Bernardo Joffily, que traduziu a bagaça direto do albanês. Direto do albanês, gente! Acendam uma vela pra esse homem hoje à noite, que ele merece. A capa é de um cabra chamado Fabio Uehara, e, sei lá, eu gostei bastante, tá mais espontâneo que as capas da coleção do Kadaré, então ponto pra ele. Mas bem que poderiam mudar as capas então, né? No mais, papel pólen e fonte Electra, padrão da editora para caras tristes como esse. E o título original, Aksidenti, fez você aprender pelo menos uma palavra em albanês, aê garoto!

Ps: Por que diabos a letra ficou tão grande hoje?

Comentário final: 232 páginas em papel pólen. Pimba na gorduchinha (na gordinha mesmo, não na bola de futebol).

14 Respostas para “Ismail Kadaré – O Acidente (Aksidenti)

  1. A banalidade é a impossibilidade dos homens atentarem para o real explodindo em suas caras. Pessoas sendo arremessadas no vidro de um carro é uma grande tirada com isso.
    Parabéns pela resenha.
    Abraço.

  2. Ah, esses críticos do Brasil… É de se espantar com a quantidade de gente que fala sem saber do que fala.

    A resenha está ótima, como sempre.

    Beijo (ah, faltou contar o acidente que levou você a ganhar este livro e que também envolve a capa).

    • É verdade. Gente, vou contar aqui que ganhei esse livro de presente da Carlinha porque ela quebrou o lustre da sala. Foi um acidente, como o título do livro. E o livro tem uns vidrinhos quebrados na capa, o que confirma a coincidência!
      Beijo!

  3. Você é profissional mesmo – domingos e quartas não falha! ponto pra você.
    Sobre a banalidade do acidente, julgo, pois não li o livro, que o consideram banal em comparação ao acidente Balcã – vocês acompanharam certamente a história recente e os conflitos em toda aquela região balcã – e olha, conheço pouco sobre a Albânia, mas do que sei, visitar esse país só com carro blindado mesmo – todo o mundo tem arma de fogo em casa!
    Sobre a sua proposta de criar um espaço para “outros textos relacionados a hábitos de leitura e aspectos físicos do livro” – chuta que eu comento: aliás acho muito curiosos e engraçados os comentários sobre as fontes (fonte em portugal é para beber água, senão é tipo de letra) e o papel polen – não me passaria nunca pela cabeça, mas que é realmente importante, é – dou valor agora que estou lendo o Euclides em colecção de bolso (vou comprar uma lupa!)
    1 abraço

    • Opa, profissionalismo sempre, mesmo que seja para as coisas banais, Fausto!
      Que aquela região ali não é brincadeira, todo mundo sabe. Você provavelmente não conhece uma banda brasileira chamada Planet Hemp, que tem uma música chamada zerovinteum (021 é o código de área telefônico do Rio de Janeiro), em que eles cantam “Sarajevo é brincadeira, aqui é o Rio de Janeiro”. O mundo todo tá meio Sarajevo por esses tempos…
      Obrigado pela opinião, vou lançar um texto assim qualquer hora, vejamos se cola.
      Ah, sobre as fontes (ou tipo de letra, como você disse) e as páginas, capas, e etc. Isso vem muito da minha experiência sensorial com o livro. Gosto dele com forma física e projeto bem definido, em contraponto desse tal de e-book que vem surgindo aí. Por isso o nome do blog, Livrada: concreto o bastante para te machucar.
      Abraço!

  4. tá importante, hein, recebendo comentário do autor na resenha. aliás, o Livrada! tem tornado minhas quartas e segundas (quando leio a resenha de domingo) muito mais divertidas e instrutivas.

    abraço!

    • E aí, Cássio!
      Pois é, vamos fazer o Kadaré vir aqui agora, que tal? hahaha
      LEgal que você lê a resenha de domingo na segunda. Percebo, pelo número de acessos, que grande parte das pessoas fazem isso também. Obrigado por ler sempre! 😀
      Abraço!

      • Yuri Alhanati,
        vc nao esta um pouquinho exagerado com suas resenhas e seus comentarios???
        Putzz… que tal eu falar que no Brasil andam os macacos na rua, heim??? Igual vc que falou “A Albania tem alguma parte boa?”
        Sou albanesa, vim pra fazer intercambio no Brasil… e o Brasil nao é nada melhor ok?

      • Oi Alberita, obrigado por passar aqui.
        Sim, é possível que eu esteja exagerando na descrição do seu país (e também tenho a mais absoluta certeza de que o Brasil não fica atrás). Entretanto, a visão que eu tenho da Albânia vem unicamente da descrição do Ismail Kadaré que, convenhamos, não é das mais convidativas. Acho que os escritores do leste europeu têm algo de negativo e pessimista, talvez por fruto da descrença deles com a geopolítica local, o que acha?
        E sim, os macacos andam nas ruas por aqui. Mas só em algumas cidades mais afastadas, assim como o Kanun não é aplicado à toda Albânia. 🙂
        Um abraço.

  5. Pingback: Dia 13 – Um livro de ficção « Fabulário Fabuloso

  6. Pingback: Leonardo Sciascia – O dia da coruja (Il giorno della civetta) « Livrada!

  7. Pingback: Ismail Kadaré – O Jantar Errado (Darka e gabuar) | Livrada!

Deixe um comentário